Advogados de políticos e empresários tentam dar à investigação um fim melancólico como o da Castelo de Areia. Por Fabio Serapião
por Fabio Serapião — publicado 17/03/2015 04:57
Apesar das recentes decisões validadas pelo Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, o juiz Sergio Moro, titular dos processos da Lava Jato, sabe que o retrospecto de grandes operações contra os crimes de colarinho-branco no Brasil não é nada positivo. Chacal, Satiagraha, Kaspar, Suíça, Boi Barrica e Castelo de Areia, para citar algumas, foram investigações aniquiladas nas Cortes superiores. Em muitos casos, houve até uma inversão dos papéis: investigadores acabaram investigados, enquanto réus se tornaram algozes.
A falta de sucesso na tentativa de melar a Lava Jato até o momento não significa ausência de empenho dos acusados e das caras bancas criminalistas que os defendem. A força-tarefa apreendeu em posse do presidente da OAS, José Aldemário Pinheiro Filho, o Leo Pinheiro, em novembro de 2014, um manuscrito que expõe as táticas de defesa dos empreiteiros. No papel, estão nomes atrelados a instituições públicas. A sigla “STJ” está relacionada a “C.Asfor” e “liminar de competência – turma”. “TCU” é seguida por “Aroldo”. O nome “Sig (interlocutor)” vai à frente de “STF”. Por fim, “CADE” vem antes de “Vinicius”.
A anotação é parte da documentação apreendida nas empreiteiras na fase Juízo Final da operação e responsável por confirmar as suspeitas sobre a existência de uma organização criminosa estruturada em forma de cartel a fraudar as licitações bilionárias na Petrobras. A partir dessas buscas e auxiliados pelas delações, em especial a de Alberto Youssef e Paulo Roberto Costa, os setores de inteligência do Ministério Público e da Polícia Federal, para o desespero dos alvos, iniciaram o mapeamento da estrutura financeira utilizada para satisfazer às necessidades do sistema de distribuição e lavagem da propina oriunda das empresas corruptoras.
Dos citados na anotação, “Sig” seria o ex-deputado Sigmaringa Seixas. Fundador do PSDB e atualmente ex-deputado pelo PT, Seixas é considerado o braço jurídico da cúpula do Partido dos Trabalhadores e dos grupos de poder que o apoiam. Com bom trânsito em todas as Cortes superiores e em boa parte do Judiciário, ele tem aparecido nos bastidores de todas as grandes operações contra esquemas de corrupção ao longo dos 12 anos de governo petista.
Ao lado do ex-ministro Márcio Thomaz Bastos, falecido recentemente, Seixas seria o responsável por estabelecer os canais de comunicação com a magistratura e o Ministério Público. Com a morte de Bastos, a importância de Seixas teria aumentado exponencialmente, de modo a transformá-lo no articulador e, como diz a anotação, “interlocutor” das empreiteiras e do PT no STF. Tal cargo se deve ao fato de Seixas ser um dos principais consultores do partido no quesito indicações de ministros ao STF e STJ. Desde o governo Lula ele é consultado a cada cadeira vaga nas Cortes.
Foi a presença de Seixas em encontro com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, o estopim para o juiz Moro criticar em despacho a ação dos advogados das empreiteiras junto a políticos e Cortes superiores. Assim como os investigadores, Moro deve ter ouvido as conversas de bastidor que dão conta do caráter das reuniões do ex-deputado com juízes e ministros. Nos corredores, os encontros são vistos como uma forma de Sig e sua turma pressionarem as autoridades em nome das empreiteiras e dos partidos da base aliada. A própria ida do ministro Dias Toffoli para a turma responsável por julgar os processos de políticos citados na operação é tida como resultado da ação do ex-deputado.
Outro ponto a chamar a atenção dos investigadores é o fato de o presidente da UTC, Ricardo Pessoa, ter desistido do acordo de delação após o encontro entre Seixas e Cardozo. Cabe lembrar que essa não foi a primeira reunião dos dois em meio a um grande escândalo. Durante a Satiagraha, após ser citado em interceptações telefônicas como o responsável por intermediar a relação de Daniel Dantas com o Palácio do Planalto, Seixas reuniu-se com Dantas, Cardozo e Bastos na casa do ex-senador Heráclito Fortes, do DEM, para debater os rumos da operação. Como se sabe, o rumo foi a anulação pelo STF.
Atrelado à sigla “STJ” e “liminar de competência”, “C.Asfor” seria o ex-ministro Cesar Asfor Rocha, nome que deixou os investigadores de orelha em pé. Como ministro, Rocha será sempre lembrado como responsável por aniquilar a Castelo de Areia, investigação que precedeu a Lava Jato na descoberta do cartel de empreiteiras a atuar nas maiores licitações públicas do País. Desde as primeiras notícias sobre o envolvimento das construtoras no esquema de Youssef, os investigadores foram informados das movimentações de Asfor Rocha e seguidos encontros com ex-colegas do STJ em restaurantes de Brasília. Aposentado desde 2012, formalmente, Asfor Rocha não pode advogar na Corte. O temor é de que as investidas do ex-ministro possam resultar no “aparecimento”, como diz um investigador, de erros formais que consigam paralisar ou até invalidar os processos.
No caso específico da citação, Asfor Rocha seria o responsável por criar as condições necessárias para uma “liminar de competência” ser aceita pelos ministros do STJ. A manobra tem como objetivo tirar os processos da Lava Jato da tutela de Sergio Moro. Tanto a OAS quanto as outras empreiteiras envolvidas no escândalo tentam há meses argumentar na Corte que a investigação não pode continuar no Paraná, uma vez que os crimes foram praticados em outros Estados e por réus não residentes na área de atuação da 13ª Vara de Curitiba. Na visão de Moro, todos os fatos apurados são conexos ao crime de lavagem praticado por Youssef em Londrina.
Por sua vez, a citação “Aroldo” estaria relacionada ao presidente do TCU, Aroldo Cedraz. A presença do presidente do principal órgão fiscalizador do País não causou surpresa entre os investigadores. Seu filho, Tiago Cedraz, foi apontado pelo policial federal Jayme Oliveira, segundo a PF entregador de dinheiro de Youssef, como destinatário de valores da organização criminosa. Não bastasse, o escritório de advocacia de Tiago participou das negociações da refinaria de San Lorenzo, na Argentina. A transação é investigada pela PF por suposto sobrepreço e pagamento de propina. Como titular do TCU, Cedraz é visto pelos investigadores como um dos nomes a atuar no sentido de viabilizar um acordo de leniência entre as empresas e o governo que possa inviabilizar punições mais rigorosas da Justiça Federal do Paraná.
O outro nome da lista, “Vinicius”, seria o presidente do Cade, órgão responsável por fiscalizar e punir o crime de cartel no País. Para os investigadores, a presença de Vinicius Carvalho não chama atenção. Mas pode ser a indicação de que para as empreiteiras seria melhor que a investigação fosse realizada em Brasília e não em Curitiba.
Fora da lista, o ex-ministro do STF Nelson Jobim é outro que faz parte do grupo de amigos de Sigmaringa Seixas e tem atuado na organização da defesa das construtoras. Discreto, Jobim é tido como um dos articuladores do plano de atuação e tem em sua conta o crédito por ter convencido seu amigo, o ministro Teori Zavascki, a relaxar a prisão preventiva do ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque. Seu primo, Atan de Azevedo Barbosa, foi um dos operadores-alvo de busca e apreensão na fase My Way da Lava Jato. Barbosa seria o interlocutor da empresa Iesa Óleo e Gás nos contratos milionários da diretoria comandada por Duque.
Questionado, Aroldo Cedraz disse não ter “qualquer relação” com o executivo da OAS ou ter sido procurado por ele. Sobre o seu filho, o presidente do TCU diz não participar de nenhum processo que ele esteja envolvido. Por meio de sua assessoria, Cedraz informou que faz parte das atribuições do TCU “discutir internamente” assuntos relacionados aos processos da Operação Lava Jato. Asfor Rocha não foi encontrado. Recentemente, o ex-ministro do STJ alegou ter sido procurado pela empreiteira, mas disse não ter aceitado o convite por não possuir especialização na área criminal. Seixas também não foi encontrado para comentar sua presença na anotação. Por meio de sua assessoria de imprensa, Vinicius Carvalho informou desconhecer o presidente da OAS e não ter participado de reunião com Asfor Rocha, Aroldo Cedraz e Sigmaringa Seixas. Segundo Carvalho, a Superintendência do Cade negocia um acordo de leniência, espécie de delação premiada para empresas, com a Setal Óleo e Gás e os seus executivos.
Enquanto as disputas entre os investigadores e defesas aquecem os bastidores da Lava Jato, a operação segue seu rumo. Na última semana, a conta da 13ª Vara Criminal de Curitiba recebeu da Suíça cerca de 182 milhões de reais desviados pelo gerente-executivo da diretoria de Serviços Pedro Barusco. Na quinta-feira 12, foi a vez de o STJ acolher os pedidos de investigação contra os governadores Tião Viana, do Acre, e Luiz Fernando Pezão, do Rio de Janeiro. Nesse cenário, com as fileiras dos investigados cada vez maiores, o trabalho de Sig e sua turma deverá aumentar nos próximos meses.
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