Atriz tenta se relançar como artista plástica e diz estar em paz após ter sido defenestrada por Bolsonaro e pela classe artística
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Regina Duarte ex Secretária de Cultura do Governo Bolsonaro |
Regina Duarte acaba de autografar, com canetão preto, uma bandeira do Brasil, um coraçãozinho no lugar do pingo do "i" de seu primeiro nome, como fez nas mais de 200 obras que decidiu mostrar em sua estreia como artista plástica, depois de décadas de estrelato na televisão e o que chama de um breve passeio por Brasília, quando assumiu a gestão da Cultura a serviço do governo Bolsonaro.
"Dizem que a gente não deve escrever na bandeira, isso eu aprendi no primário", diz a atriz a uma das fãs, mulheres eufóricas que a rodeavam numa loja de molduras do bairro de Moema, na zona sul paulistana.
Desde que sua mostra com folhas secas coladas sobre papelão abriu as portas na Aqua Arte, a ex-namoradinha do Brasil tem batido ponto todo sábado na molduraria para receber órfãos de suas Helenas no horário nobre e saudosos do ex-presidente.
Ela diz ao novo séquito, fração milimétrica da população que antes a via na tela da Globo com "100% de audiência", como ela lembra, que gosta de verde e amarelo —de amarelo, mas também do verde. O que ela leva às suas novas criações, no entanto, é o marrom, a folha ressequida, morta, uma metáfora para o momento pessoal que ela diz estar vivendo, ao se ver "enrugando, envelhecendo, perdendo a seiva", a caminho da morte.
Metafórico ou não, o fim de Regina Duarte como nome incontornável da cultura pop do país, marco central de clássicos como "Selva de Pedra", da feminista "Malu Mulher", de "Roque Santeiro", "Vale Tudo", "Rainha da Sucata" e dramalhões como "Por Amor", coincide com a inelegibilidade de Bolsonaro.
Diante do fim do governo do capitão reformado e de uma nova ascensão de Lula ao poder, Duarte lembra a campanha que fez para José Serra em 2002 e diz ainda sentir medo do petista de volta ao Alvorada, um "medo cada vez maior e ponto final".
Esse, aliás, parece ser o único medo da atriz, que agora tenta se reposicionar como a "'atrizinha' do Brasil, a 'artistinha' do Brasil", assim, no diminutivo, como um dia foi a namoradinha da nação no auge da ditadura militar. Fora isso, ela diz estar em paz com o fato de ser defenestrada, nas palavras dela, pelo ex-presidente e pela classe artística como um todo.
"Fizeram muito bem em se afastar de mim, porque eu passei a ser uma persona non grata, uma pessoa que não agrega", diz a atriz.
"Quem acha que a Regina pode agregar alguma coisa são os bolsonaristas, que estão comigo. Não tenho nenhum ressentimento com isso, acho que é um direito, mas tem uma confusão aí. Muitas vezes eu fui defenestrada por algumas pessoas porque elas não gostam do Bolsonaro. E eu não posso gostar? Elas querem me impedir de ser bolsonarista? É essa a ideia? Não é um tanto ditatorial? Essa é a pergunta que fica no ar."
Muitas outras também ficam. Duarte abandonou uma carreira de estabilidade como pilar do showbusiness brasileiro, rosto e voz inconfundíveis da teledramaturgia nacional, para embarcar num experimento fracassado de gestão cultural num governo avesso à arte. Não espanta que ela se lembre, com precisão, de que passou 74 dias no cargo e fez as malas, às pressas, no 14º dia que passou em Brasília, tentando se firmar como a chefe de algo que o governo da época tentava implodir.
Ela não vê as coisas dessa forma, só diz que estava "dando todo o sangue" até entender que a capital federal ensinava outras lições, diferentes daquela que aprendeu na escola, de não profanar a bandeira nacional. Duarte diz que foi sob o céu de Brasília que aprendeu a se tornar paranoica, um sentimento, na visão dela, necessário à sobrevivência em determinados ambientes.
"Você começa a perceber que a paranoia é um sentimento indispensável", ela diz. "Você precisa ser paranoico. É uma coisa dolorosa. Não sei se eu aprendi, mas eu fiquei melhor do que eu era. Eu tomo outros cuidados hoje em dia."
Rodeada das plantas mortas que ela resgatou das calçadas de Moema e transformou em quadros que entende como autorretratos, Regina Duarte conta nesta entrevista como foi sua saída do governo Bolsonaro, descreve a admiração profunda que ainda nutre pelo ex-presidente e fala sobre sua vontade de fazer novelas evangélicas na TV Record, distante do que vê como uma TV Globo que encarnou os anseios de uma parcela da população afeita à gritaria.
Depois da quarta pergunta, eu sou entregue a improvisações as mais inesperadas, inclusive colega minha me mandando recado. "Por que você não faz isso, por que você não faz aquilo?" Lembro que na época eu pensei "amiga, por que você não me liga para me cobrar essas coisas?", "por que você entra aqui na CNN para fazer uma cobrança desse tipo?". Cara, eu estou lutando aqui, estou dando todo o meu sangue, depois a gente se fala.
Tentei fazer teatro, fiz um filme com o pessoal lá de Santa Catarina que ainda não saiu, por causa da polarização que o país vive hoje. Essa é a palavra, polarização.
Quem acha que a Regina pode agregar alguma coisa são os bolsonaristas, que estão comigo. A partir do momento em que eu declarei meu voto, eu saí de 700 mil seguidores para 1,5 milhão. Eu mais que dobrei, aí eu vi que não estou sozinha. Se a classe não quer ficar comigo, é problema dela, tem todo o direito. Eu não estou sozinha, estou superbem acompanhada por pessoas que têm os mesmos valores que eu, família, religião, coisas que dão estrutura, que dão raiz à árvore que a gente é.
E eu não posso gostar? Elas querem me impedir de ser bolsonarista? É essa a ideia? Não é um tanto agressivamente ditatorial? Essa é a pergunta que fica no ar. Quer dizer que essas pessoas querem uma ditadura? Querem também serem proibidas de fazer escolhas livres?
Isso é uma coisa que nunca tinha me ocorrido. Sempre fui muito bem recebida. Fui abraçada [na Globo] pelo Boni, pelo Daniel Filho, pelos autores, pelos colegas, pelos diretores. A vida inteira eu fui muito mimada, então eu não esperava traição, não esperava "vamos montar uma coisa aqui para desestruturar a Regina", e lá em Brasília é muito isso.
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