As medidas para reequilibrar as
contas públicas anunciadas na segunda-feira pelos ministros da Fazenda,
Joaquim Levy, e o do Planejamento, Nelson Barbosa, foram recebidas com
alguma cautela por analistas do mercado e desagradaram movimentos
sociais e sindicatos.
Levy e Barbosa divulgaram que o governo
pretende cortar R$ 26 bilhões do orçamento de 2016 com medidas como
adiamento do reajuste salarial de servidores públicos (de janeiro para
agosto), a suspensão de concursos públicos, cortes de R$ 4,8 bilhões nos
repasses para o programa Minha Casa, Minha Vida e de R$ 3,8 bilhões em
outras medidas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), além da
já anunciada redução de ministérios e cargos de confiança.
Do lado
da receita, a equipe econômica quer aumentar a arrecadação com
iniciativas como a redução de subsídios e isenções a determinados
setores (como os exportadores e a indústria química), e o relançamento
da CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira), com uma
alíquota de 0,2% – cujo valor, segundo Levy, irá ajudara custear o
déficit da Previdência. Em contrapartida, os ministros anunciaram
redução no IOF (Impostos sobre Operações Financeiras).
Segundo
Levy, a escolha por recriar a CPMF se deve a um "menor impacto
inflacionário" e custo "mais distribuído" entre os setores da sociedade.
Dessa forma, "dois milésimos de uma entrada de cinema" serão usados
para ajudar a pagar aposentadorias e benefícios, exemplificou Levy.
De acordo com o ministro da Fazenda, também está nos
planos do governo elevar o tributo sobre ganho de capital (com venda de
imóveis, por exemplo) cobrado como parte do Imposto de Renda da Pessoa
Física e reter 30% dos recursos arrecadados de empresas que hoje são
repassados ao Sistema S, que inclui Sesi, Senai e Senac.
Enquanto
analistas veem as medidas como pontuais, ou seja, se implementadas
conseguiriam resolver apenas o problema de 2016, movimentos sociais
criticaram o governo por iniciativas que também atingem a população mais
pobre. E já há quem ameace ir às ruas contra as medidas.
'Parcialmente positiva'
"Acho
que a resposta dos mercados deve ser ao menos parcialmente positiva
porque essa é uma sinalização que o governo agora entende que é preciso
reequilibrar as contas públicas urgentemente. Isso é melhor que nada",
diz Thiago Biscuola, economista da RC Consultores.
Adiantando os
cortes orçamentários - cujo valor acabou sendo antecipado por alguns
veículos da imprensa – o Ibovespa, principal índice da bolsa paulista,
fechou com alta de 1,81%.
"O problema é que ao menos parte das
medidas devem ser aprovadas ou contar com a colaboração do Congresso.
Não sabemos, portanto, se serão cumpridas.”
Para chegar ao corte
de R$ 26 bilhões nos gastos, por exemplo, o plano de Levy e Barbosa
prevê que as emendas parlamentares impositivas, que dizem respeito a
obras e ações indicadas pelos parlamentares, sejam feitas em programas
prioritários do Ministério da Saúde ou do PAC. Com isso, o governo
conseguiria garantir o mínimo constitucional de gastos com saúde, por
exemplo.
"Além disso, o aumento dos impostos tende a ter um efeito
negativo na economia e as medidas desse pacote têm um caráter pontual,
emergencial. Não vão alterar a evolução dos gastos públicos de forma
estrutural, garantindo sua sustentabilidade", avalia Biscuola.
Em nota, a Febraban (federação que representa os
bancos) elogiou o pacote apresentado pelo governo. Para a entidade, o
corte de despesas "emite uma sinalização importante para o
restabelecimento da confiança dos agentes econômicos e a retomada futura
dos investimentos".
Além disso, diz que a CPMF irá facilitar "o
reequilíbrio das contas públicas, enquanto o governo elabora medidas
estruturais", mas sugere "alíquotas declinantes ano a ano" para diminuir
os efeitos "distorcivos" da taxação sobre a intermediação financeira.
A
CNI (Confederação Nacional da Indústria) pensa diferente. Diz não
concordar com o aumento da carga tributária e defender "reformas
estruturais – como as da Previdência, trabalhista e tributária – para
que o país volte a crescer".
Impacto no setor produtivo
Otto
Nogami, economista do Insper, vê as medidas com ceticismo. Segundo ele,
um problema é contar, em alguns casos, com uma arrecadação que pode ser
bem menor.
"No caso da alienação de bens, dada a nova
característica, as pessoas vão criar mecanismos alternativos para não
chegar ao valor da tributação", afirmou ele, sobre a previsão de
arrecadar mais com a taxação que prevê atingir a venda de imóveis mais
caros.
O economista vê o plano do governo mais como uma carta de
“intenções”, que não dá respostas para o problema nas contas públicas a
longo prazo. "No caso do aumento na carga tributária: não se sabe até
que ponto vai ser possível avançar com o Congresso", continuou.
Para
ele, além de "paliativas", as medidas podem ter como resultado a piora
da economia e do aumento do desemprego. Ele cita como exemplo os cortes
no Minha Casa, Minha Vida em outros programas do PAC.
Reações
Os
cortes no Minha Casa, Minha Vida provocaram críticas de movimentos
sociais. Guilherme Boulos, coordenador do Movimento dos Trabalhadores
Sem Teto (MTST), disse à BBC Brasil que fará uma jornada de protestos
nas principais capitais do país na próxima semana.
"Serão amplas
manifestações, bastante duras em relação ao governo", afirmou. "Vamos
repudiar esses cortes, exigir os recursos para o Minha, Casa Minha Vida e
protestar contra essa ideia de querer resolver a política fiscal
aprofundando a crise social", reforçou.
Segundo Boulos, se o corte
anunciado pelo governo for de fato implementado, não haverá
contratações de novas obras voltadas para o grupo de menor renda em
2016. Na faixa 1 do programa, que atende famílias de renda mensal de até
R$ 1.600, os subsídios públicos são mais altos, o que exige maiores
aportes da União. Neste ano, as novas contratações já estão paralisadas.
Em
sua fala, Levy falou que o plano do governo é usar recursos do FGTS
também na faixa 1 do programa, como já ocorre com as outras duas,
destinadas a famílias com renda mais alta.
Já os movimentos sociais reunidos na Frente Brasil
Popular – que reúne MTST, a União Nacional dos Estudantes (UNE) e a
Central Única dos Trabalhadores (CUT) – defendem que sejam elevados os
impostos sobre os setores de maior renda e que seja reduzido o pagamento
de juros para credores da dívida pública como solução para equilibrar
as contas do governo.
"Nós apoiamos a continuidade do mandato da
presidenta Dilma, mas isso não nos impede de fazer críticas necessárias,
principalmente à atual política econômica", afirmou a presidente da
UNE, Carina Vitral.
"A gente entende a necessidade de ajustar as
contas do governo porque a gente vive um momento de crise internacional,
mas a gente acha que o foco do ajuste fiscal deve ser aumento de
arrecadação com taxação de grandes fortunas e mexer nos juros da dívida
pública", disse.
"Se existe uma crise, ela precisa distribuir os
prejuízos, e os prejuízos hoje só estão ficando com a classe
trabalhadora", criticou.
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