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| Imagens de soldados infantis povoam os vídeos do EI |
Por Mark Townsend
Uma nova geração de recrutas está em treinamento no “califado” do Estado Islâmico,
doutrinados com conceitos religiosos desde o nascimento e vistos pelos
combatentes como melhores e mais puros do que eles próprios. Eis a
conclusão do primeiro estudo sobre a exploração e o abuso de crianças
pelo EI.
Pesquisadores do Quilliam, centro de pensadores contra o extremismo
em Londres, investigaram o modo como o EI recruta crianças e as treina
para a jihad. O relatório, intitulado Crianças do Estado
Islâmico, foi endossado pela ONU e compilado em um estudo da propaganda
do grupo que mostra menores e ligado a fontes confiáveis no califado.
Percebe-se um movimento terrorista ávido para atrair jovens e assim se
perpetuar. Muitos são treinados como espiões, pregadores, soldados,
“executores” e bombas humanas.
Segundo os autores, “a organização dedica grande parte de seus
esforços a doutrinar crianças por meio de um currículo educacional
baseado no extremismo e a criá-las para ser futuros terroristas. A
geração atual de combatentes as vê como guerreiros melhores e mais
letais que eles próprios, pois, em vez de convertidos a ideologias
radicais, elas foram doutrinadas nesses valores desde o nascimento ou de
uma idade muito precoce”.
Sem ter sido corrompidos pela vida nos padrões seculares, os menores
são considerados mais puros do que os combatentes adultos. “Essas
crianças são salvas da corrupção”, declara o estudo, tornando-as mais
fortes que os atuais mujaheddin pelo fato de terem uma
compreensão superior do Islã desde a juventude e pelo currículo escolar,
e são lutadores melhores e mais brutais, treinados na violência desde a
tenra idade.
Os recrutas estrangeiros representam um reforço potencialmente
importante para o grupo de cerca de 80 mil militantes (50 mil na Síria e
30 mil no Iraque). Estima-se que 6 milhões de homens, mulheres e
crianças vivam atualmente no autoproclamado Califado. “O objetivo é
preparar uma nova geração, mais forte, de mujaheddin, condicionados e ensinados a ser um futuro recurso para o grupo”, acrescenta o relatório.
O enfoque nos jovens tem semelhanças, segundo o estudo, com o
recrutamento forçado de crianças-soldados na Libéria nos anos 1990,
quando Charles Taylor tomou o poder, em 1997, secundado por um exército
rebelde repleto de crianças.
Os autores concluem que o EI também parece ter estudado o regime
nazista, que criou a Juventude Hitlerista. A ONU recebeu relatos
verossímeis, mas não verificados, sobre uma ala jovem do EI chamada
Fityan al-Islam (Meninos do Islã). Os autores lembram ainda o
precedente do regime baathista de Saddam Hussein no Iraque, que no fim
dos anos 1970 fundou o movimento Futuwah (Vanguarda Jovem) com as
principais unidades de crianças-soldados iraquianas conhecidas como
Ashbal Saddam, ou Filhotes de Leão de Saddam, formadas por meninos de 10
a 15 anos.
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| Os menores são estimulados a jogar futebol com cabeças decapitadas (Foto: Reprodução) |
Os pesquisadores do Quilliam descobriram que menores são usados
amplamente na propaganda do EI para dar a impressão de “construção de um
Estado”. Entre 1º de agosto de 2015 e 9 de fevereiro passado, eles
identificaram ao todo 254 eventos ou declarações que apresentam imagens
de crianças.
O EI utiliza os jovens para tentar banalizar a brutalidade.
O grupo os incentiva a segurar cabeças decapitadas ou jogar futebol com
elas. Nos últimos seis meses, a propaganda do Estado Islâmico mostrou
12 crianças assassinas. Um vídeo macabro recente exibe um menino
britânico de 4 anos que aparentemente detona um carro-bomba e mata
quatro supostos espiões presos no veículo.
O recrutamento de crianças com frequência envolve coerção, segundo o
relatório. O rapto seria o método preferido. A missão de assistência da
ONU para o Iraque estima que o EI sequestrou entre 800 e 900 crianças de
9 a 15 anos. De agosto de 2014 a junho de 2015, centenas de meninos,
incluídos yazidis e turcomenos, foram arrancados à força de suas
famílias em Nínive e mandados para centros de treinamento, onde garotos
de apenas 8 anos aprendem o Alcorão, o uso de armas de fogo e táticas de
combate.
A organização também recorre ao medo para recrutar. Canais de mídia
do Califado emitem declarações que advertem as crianças de que, caso se
recusem a obedecer às ordens do EI, serão açoitadas, torturadas ou
estupradas.
O grupo extremista rapidamente tomou o controle do sistema
educacional na Síria e no Iraque, e a doutrinação começa nas escolas e
se intensifica nos campos de treinamento. Nestes, crianças entre 10 e 15
anos são instruídas na sharia, a lei islâmica, expostas à violência e treinadas em técnicas específicas para servir ao Estado e assumir a jihad.
Os meninos aprendem um rígido currículo do EI, do qual foram
removidos desenho, filosofia e estudos sociais, descritos como
“metodologia do ateísmo”. As crianças decoram versículos do Alcorão e
frequentam treinamentos para a jihad, que inclui tiro, manuseio
de armas e artes marciais. As meninas, chamadas de “pérolas do
califado”, usam véus, são escondidas e confinadas em casa e aprendem a
cuidar dos homens.
Os autores do relatório recomendam a criação de uma comissão para
proteger as futuras gerações da violência radical e monitorar e
reintegrar as crianças que correm risco na União Europeia. Segundo Roméo
Dallaire, porta-voz da Iniciativa de Soldados-Crianças que coescreveu o
relatório, a vida sob o Estado Islâmico é uma das mais graves situações
para menores no planeta. “Espera-se que esse relatório ofereça uma
perspectiva crítica sobre a sina desses jovens”, afirma. “Talvez suscite
reflexões essenciais para os políticos, órgãos de proteção à infância,
governos, organizações multilaterais e os envolvidos em encerrar o
conflito no Iraque e na Síria.”
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves


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